O mundo ainda não acabou. Ainda…
Um novo novo normal é estabelecido. Corrigindo: um novo novo normal está em processo contínuo e acelerado de desenvolvimento. Novas versões diárias da normalidade são lançadas sem que nós, usuários, possamos sequer entender em qual delas estamos inseridos. É como se vivêssemos numa casa que está em processo ininterrupto de demolição e construção simultâneas e nós, dentro dela no escuro, tentando encontrar o banheiro ou a cozinha. Tentando adivinhar por pequenos sinais se estamos no cômodo certo.
Vagamos nesse novo novo normal onde a normalidade é relativizada. O normal pra alguns é a aberração de outros. O que difere na norma entre a civilidade e a barbárie é o interesse de poucos. Nesse novo novo normal o chocante já nem choca mais. É normal. Já chocou, não choca mais. É como o ovo da serpente eclodido.
E é com essa sensação incômoda de cômodo empoeirado em reforma que retiro as teias e removo o mofo das minhas palavras. Não porque tenha algo que eu precise dizer, nem porque exista algo que precise ser dito e que ainda não tenha sido dito de todas as formas e em tudo que é canto. Mas, porque talvez, só talvez, eu tenha sentido uma certa falta de mim, uma saudade do que, por muito tempo, foi como me defini. Talvez, só talvez, eu precise de um marcador, uma âncora que me situe nesse tempo à deriva.
Escrevo agora, essas linhas enferrujadas, emboloradas e cheias de teias para me lembrar de como é escrever. Mesmo que esse texto não tenha nenhum significado e nenhuma qualidade artística, sendo apenas um texto-faxina ou texto-assinatura-de-presença, ele serve pra lembrar que as minha letras- engrenagens ainda estão funcionando. Serve pra eu registrar, mesmo que mal registrado, que nesse novo novo normal errático, a raça humana, apesar de sua tendência ascendente ao auto extermínio, por enquanto não se extinguiu. Por enquanto.
E assumo, sem um pingo de constrangimento, que escrevo agora, principalmente, pra eu confirmar que, apesar da ausência prolongada, da fluência e lirismo atrofiados pela falta da prática, ainda sou aquela que escreve. Ainda bem.
Talvez, só talvez, eu também esteja apenas lançando mais uma garrafa no mar.
Texto escrito após ouvir esse episódio de podcast aqui: